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Resumo

Esta pesquisa resulta do estudo sobre a forma como a mídia especializada noticia o campismo e a relação desta com os demais grupos sociais que se utilizam de motor homes, trailers, tendas e afins seja a lazer ou para a vida nômade. Através da análise da forma como é feita essa cobertura midiática, analisamos se a imprensa cumpre seu papel social junto às diversas comunidades de campismo. Essa diversidade se refere a ciganos, comunidade circense e parques de diversão, que se utilizam de equipamentos como motor casas, trailers e tendas no cotidiano.

Fundamentado em teóricos como Jorge Maranhão (1993), Christa Berger (1998), Rubim, Eugênio Bucci (2009) e Nilson Lage (1997) e sobre o comportamento social e seu enfoque pela imprensa, sugerimos a adequação da abordagem sobre esse tema que tem influência social e por consequência na opinião pública à respeito da prática campista. Esta pesquisa contempla a atenção dispensada pela mídia especializada às comunidades que usam equipamentos de campismo para lazer e de como essa relação influencia também a sociedade.

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Justificativa

Não existe um estudo específico sobre a quantidade de veículos de recreio – motor casas, trailers de lazer, carretas barracas – ou do número aproximado de campistas que se utilizam destes equipamentos no Brasil. O campismo atravessa décadas de existência e atuação em nosso país, mas passou por um declínio a partir da década de 1990 devido À uma crise que se abateu sobre os fabricantes de equipamentos de recreio.

Postumamente, sob intensa pressão dos empresários, a Lei causadora da crise foi revogada para que a indústria – não o campismo – voltasse a crescer, o que, paulatinamente, vem acontecendo. Além da função de recreação, trailers, motor casas e tendas são também utilizados por outros grupos sociais, como ciganos, artistas de circo e trabalhadores de parques de diversão.

Ao mesmo tempo em que os grupos de recreio têm representação entre a mídia, o que significa poder de pressão sobre as autoridades, a recíproca não ocorre em relação ao segundo grupo citado. Muitas decisões tomadas sobre o campismo, leis de trânsito – para a condução de trailers e motor casas – foram decididas sem o parecer ou conhecimento dos nômades. As únicas mudanças radicais no meio do campismo aconteceram porque atingiram as empresas e com ajuda da imprensa.

Sobre isso, Maranhão diz que:
Não só os sistemas socialistas, de economia planejada, revelam suas contradições e impasses como também os sistemas capitalistas de economia de mercado e “livre” concorrência. Os sistemas capitalistas, mais opulentos na produção da riqueza, não se livraram de seu quadro social injusto, suas desigualdades, a supremacia dos oligopólios e cartéis oprimindo a própria liberdade de mercado, seu fundamento básico. (MARANHÃO, 1993, P. 30).

Pode-se entender que a casta de poderes da classe dominante, quando lhe convém, muda preceitos legais ou subscreve o que não lhe serve mais, sem importar-se com a opressão à própria liberdade de mercado, seu fundamento primordial. Dessa forma, alterando leis, poderão reverter, futuramente, a prática do campismo livre, em áreas públicas, cerceando de nômades e similares o direito de livre acesso a áreas antes públicas e agora normatizadas.

As relações sociais entre as coletividades e os cidadãos estão sendo redesenhadas rapidamente devido ao incessante avanço tecnológico dos meios de comunicação. Essa relação se estende para além do cidadão comum atingindo também a esfera onde se discute as políticas com os poderes constituídos. Se as coletividades e a sociedade civil organizada se unissem, conseguiriam, talvez, o mesmo efeito obtido na revolução francesa, cujo fundamento de poder era a própria opinião. A história recente do Brasil também demonstra o poder da opinião pública em episódios como o projeto das eleições diretas e as candidaturas eleitorais que reescreveram o quadro político do país. Ambos surgiram alavancados pela opinião pública que, por sua vez, foi forjada pela mídia.

Neste exemplo, o poder da informação fornecido pela tecnologia também faz da opinião pública uma poderosa ferramenta de mudanças. Quem orquestraria a banda? Um forte candidato seria a mídia, mas somente caso fosse independente das empresas financiadoras. Um dos objetivos desse trabalho é mostrar como a mídia especializada em campismo permanece estática em relação ao verdadeiro campismo. Como veículo de informação, esta deveria auxiliar a transformar a sociedade e atender o anseio dos menos organizados, desprovidos de poder de decisão, mas similares na prática do campismo.

Muitas vezes a mídia especializada recebe releases de fabricantes, imagens e textos de encontros campistas realizados por grupos e associações de campismo. Essas reportagens incluem também relatos de viagens nacionais e internacionais, coberturas de feiras de produtos, serviços e até de colunismo social. Na condição de formadora de opinião, é inconcebível entender essa mídia como correta no cumprimento de sua função, pois não cumpre seu papel social com o campismo.

História do campismo no mundo e no Brasil

O campismo surgiu da inovação das atividades militares na antiguidade, onde as tropas utilizavam tendas de peles de animais e tecidos para se proteger dos intempéries e obter algum conforto durante o descanso. Em 1908, o explorador mateiro inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powel (1857-1941) criou o escotismo, que espalhou-se  pela Europa como aprendizado e prática de técnicas de sobrevivência em campo aberto. Baden Powel adaptou sua obra “Aids to Scouting” (Ajudas à Exploração Militar) para servir de compêndio nas escolas masculinas e estimular os jovens à exploração militar, sendo muito difundido entre rapazes com até 18 anos de idade.

No Brasil, a arte de acampar como forma de lazer remete à época colonial, quando os bandeirantes exploravam os recônditos territoriais a fim de mapear e registrar em cartas topográficas a extensão e detalhamento das regiões virgens. Mas oficialmente, a implantação do campismo começou no Brasil a partir de 1910, trazido juntamente com o escotismo pela marinha de guerra. A arte do campismo, em sua essência, conforme o manual de Baden Powell, traz a derivação etimológica do termo inglês camping, que por sua vez, significa “local onde se estabelecem barracas ou tendas, geralmente com proximidade à natureza onde toda a infra-estrutura é levada pelos campistas, tal prática é conhecida por campismo.”

Entende-se então que a prática em campo aberto não compreende posses ou territorialismo. Na natureza, as fronteiras ideológicas não existem e as barreiras físicas são representadas apenas por condições geológicas. Portanto, entende-se que o campismo traz como principal objetivo a liberdade junto à natureza. Quando vemos um veículo de recreio, seja ele um trailer, um motor home, barraca ou uma carreta barraca, muitas questões podem surgir. Questões sobre o preço do equipamento contemplado, o que tem dentro, como funciona, para onde estará indo, na maioria das vezes um sentimento de admiração velada. A situação não é diferente quando avistamos um acampamento de veículos de recreio.

Atualmente, percebe-se uma mudança significativa nas práticas do campismo, marcada sobretudo pelo avanço tecnológico. Nota-se, há mais de 20 anos, uma diminuição paulatina das áreas antes conhecidas por camping clubes e uma multiplicação dos motor homes, muitos deles altamente equipados. A prática do camping nos moldes tradicionais, com barracas, torna-se cada vez mais raro. E isto tem criado, no universo do campismo, uma divisão de classes onde “ganha” quem ostenta mais recursos. Disputas de espaços, poluição dos solos (desvirtua a essência do campismo como uma prática ligada à preservação e ao convívio com a natureza), sociabilidade… Este contexto atual está no cerne da problemática da pesquisa que aqui se propõe. A intenção da pesquisa é identificar e compreender como a mídia especializada vem apresentando esta problemática na medida em que oferece cada vez mais espaço para o “colunismo social” do camping no Brasil, em detrimento de discutir e preservar os princípios originais desta prática.

É comum eventos de campismo serem tema de reportagens nos grandes veículos de comunicação e seus proprietários narrarem, em entrevistas garbosas, suas aventuras mundo afora a bordo da casa sobre rodas. Não percebemos o mesmo interesse da mídia especializada em campismo quando nômades ou profissionais do entretenimento circense ou afins acampam em áreas da cidade. A atividade campista não é exclusividade dos brasileiros, ao contrário, nossos equipamentos foram construídos a partir de projetos americanos ou europeus, inicialmente nos fundos de quintais, para anos depois se tornarem atividade industrial. Clubes e grupos surgiram de norte a sul do Brasil, mas com o intuito, na maioria dos casos, para a promoção de encontros turísticos.

Assuntos importantes, como as políticas de ordenamento territorial, resoluções de trânsito entre outros assuntos são ignorados. Quando estas políticas são ignoradas, as decisões são tomadas por uma minoria e a favor desta. Para quem usa veículos ou equipamentos de recreio exclusivamente para lazer, o que indica que seus proprietários têm uma condição financeira mais confortável, e pelo que se constata nos encontros de campismo, esses temas não são essenciais. Mas para quem os utiliza como forma de subsistência, a situação é outra. Uma das formas da sociedade se aproximar das decisões tomadas -com sua anuência- pelos políticos é através da mídia. Sem a comoção social e a organização comunitária fica difícil promover mudanças sociais, principalmente quando essas mudanças devem ocorrer em níveis onde as pessoas tem alto poder financeiro. A revista Motor home, especializada em campismo, é um exemplo disso. Ela tem como patrocinadores as fábricas de motor casas e, estranhamente, o apoio da cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, uma das primeiras a proibir a entrada de motor casas e similares no perímetro urbano da cidade.

A função do jornalismo

A difusão de informações através de meios de comunicação como revistas especializadas, televisão e redes sociais catalisa a opinião pública. O efeito de pressionar governantes também se verifica quando a imprensa participa ativamente.

… Podemos afirmar que o jornalismo como prática social, capta, transforma e divulga acontecimentos, interpretando o presente e veiculando várias vozes constitutivas deste presente, explicitando desta forma que faz parte de um determinado tempo histórico. O discurso jornalístico está, assim, entranhado de historicidade (BERGER, 1998, P. 44).

Mudanças na legislação, quando tomadas unilateralmente, podem ser pressionadas pela opinião pública se tal proposta tiver visibilidade promovida pelos meios de comunicação:

     Uma das principais instâncias a que a comunidade pode recorrer para exercer o direito de se declarar livremente é a imprensa.Ela oferece uma maneira eficaz de fazer a população ser ouvida e fazer chegar ao conhecimento das autoridades os seus anseios. Para o autor Jorge Maranhão, a imprensa pode servir de canal para que a opinião das pessoas ganhe respeito e legitimidade. “O que se faz urgente, no Brasil de hoje, é ocupar com competência técnica, artística e política os espaços ávidos no mass media para o despertar do sentimento de auto estima e orgulho nacionais (MARANHÃO, 1993, P. 64).

Ele ainda escreve

Nós não seremos cidadãos enquanto não aprendermos a ocupar o espaço da mídia que é agora a moderna, e entendermos que ela está do nosso lado, é o próprio espaço de nossa opinião. Além do que, a mídia se preenche dia a dia por cidadãos iguais a nós jornalistas, artistas, publicitários, escritores, (…) nós só seremos cidadãos quando buscarmos nossas afinidades e nos agruparmos segundo nossos interesses sociais e em tantas frentes quanto seja necessário abrir para lutar. (MARANHÃO, 1993, P. 276).

De que serve a teoria ensinada nas universidades de comunicação, a orientação de fundamentar todas as ações na ética jornalística se os profissionais da comunicação, muitas vezes, não estão interessados em servir a comunidade? Claro que existem os profissionais sérios, que dignificam o jornalismo e fazem a imprensa representar a democracia. O caso da mudança da categoria dos condutores de reboque e trailer ocorrido em 19997 e, com a ajuda da imprensa, revogada em 2009 é um exemplo disso. Um trabalho intenso feito com seriedade junto ao governo para beneficiar a comunidade campista.

Como escreve Rubim:
A sociedade ambientada pela comunicação reafirma a atualidade da questão democrática porque é preciso aprofundar as questões acerca dos direitos (e também de sua ausência) que surgem desta nova configuração. Muitos encaram de forma bastante otimista as potencialidades das novas mídias, que possibilitariam o exercício de uma renovada democracia direta (RUBIM, 2000).

O futuro do campismo está, de certa forma, dependente da forma como a imprensa divulga ou omite informações sobre o assunto. Devemos lembrar que antes de ser um negócio, o jornalismo tem uma função social a cumprir. Não é necessário um estudo aprofundado para saber que o jornalismo tem como objetivo perseguir a verdade e a transparência, posicionando a função informativa antes da comercial. O bom jornalismo preserva os direitos de cidadania, atenta para o bem estar social, como saúde, segurança e educação.

As pressões do setor comercial para direcionar as notícias positivamente e em seu favor são constantes. A maioria dos meios de comunicação dependem desses anunciantes, é verdade, mas deve existir um equilíbrio para que essa relação não comprometa a redação da notícia. Permitir a representatividade da coletividade e sua livre expressão, aliás prevista na Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 19, e o acesso à informação, garantindo a democracia, são obrigações do jornalista. O Código de Ética do jornalismo, no Capítulo 2, artigo 3º, dispõem sobre a conduta profissional do jornalista: “O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de natureza social, estando sempre subordinado ao presente código de ética.”, bem como no artigo 6º inciso II: “Divulgar os fatos e as informações de interesse público”.

No caso das revistas especializadas, também há princípios éticos recomendados pela comissão de ética aos jornalistas, publicados pela Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) em dezembro de 1997. Uma das recomendações diz respeito ao direito de resposta aos que provarem que forem difamados, caluniados ou injustiçados. Não seguir tais recomendações para não desagradar patrocinadores é, no mínimo, perder credibilidade. Mas um meio de comunicação sem credibilidade não terá crédito junto ao público, que é seu patrimônio maior. Se não atinge o público, não há investimento de patrocinadores, e por consequência disso, não há retorno financeiro. Sobre esse assunto, Bucci diz:

O único interessado na discussão ética é o cidadão – aquela pessoa comum que consome as notícias e que, no fim, é o beneficiário final do jornalismo de qualidade – ou a vítima do jornalismo vil (BUCCI, 2000, P. 36).

O trabalho jornalístico tem poder de agendar assuntos e promover discussões sobre estes. Para que o ofício não seja corrompido, o jornalista tem o poder e deve exigir sua livre expressão para continuar atendendo os anseios da população.  Se a afirmação de que o povo enxerga as notícias pelos olhos da imprensa, a responsabilidade de esclarecer é ainda maior. Assim, saber a verdade e não informá-la é tão grave como mentir para a audiência. Sobre isso, Lage (1997) diz: “Mostrar as contradições do discurso do poder é obrigação de todos os jornais, sejam governistas ou oposicionistas, quando têm compromisso com a realidade”.

A vigília precisa ser constante e a denúncia faz parte de sua missão. Se não é dessa forma, a prática jornalística honesta fica maculada, pois não está mais agindo em defesa da cidadania. Quando ocorre, a sociedade fica enfraquecida perante o poder das autoridades.

Quando a mídia especializada trabalha somente a favor do anunciante, ignorando a democracia da informação, seu fazer jornalístico está em cheque, pois deixa de dar conta das tensões e desequilíbrios sociais que provoca. A informação, atualmente disseminada rapidamente pelas redes sociais, mesmo em meio a tanto dinamismo, enfrenta o represamento de informações não positivas para as empresas. É o caso da revista Motor Home, que evita abordar assuntos polêmicos do campismo, talvez por temer desagradar os fabricantes, que são seus anunciantes. Ao mesmo tempo, leitores colaboradores acompanham o ritmo, e raramente observa-se o instigamento ao debate das políticas do campismo brasileiro.

Metodologia

Para pesquisar o objeto em questão e alcançar meu objetivo, utilizarei a pesquisa qualitativa para compreender o fenômeno analisado. O método de pesquisa etnográfico será a ferramenta para aprofundar-me nessa observação participativa, pois haverá uma interação intensa entre observador e observado. Os dados serão captados sistematicamente através de uma pesquisa quantitativa das publicações durante o período de um ano, através de uma análise de conteúdo da quantidade de anúncios em detrimento de matérias sobre o campismo.

 Num segundo momento, as luzes da análise focarão o discurso de textos contidos nas publicações. Na prática, isso se dará por meio de uma análise qualitativa, onde 04 textos específicos serão investigados a fim de produzir um mapa de ação do investigado, compreendendo os objetivos destes no contexto do campismo.

Bibliografia

Lage, Nilson. Seminário o papel do jornal, 27, 1997, Curitiba.
Rubim, Albino Canelas Comunicação e Política. São Paulo, Hacker editores, 2000.
Berger, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. ed. Rio Grande do Sul, 1998.
Maranhão, Jorge. Mídia e cidadania: faça você  mesmo. ed. Topbooks, 1993.
Bucci, Eugênio. A imprensa e a fala do poder. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2009.

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Colunista: James Klaus
James Klaus é jornalista e pratica o campismo há mais de 30 anos. Nascido em Joinville, no estado de Santa Catarina, pesquisa o campismo no Brasil e no exterior. Realizou visitas a campings e fabricantes de equipamentos na Alemanha e também acompanha a evolução do setor no Brasil. Trabalha como redator/ apresentador na TV Babitonga (Canal 9 em Joinville) e na web TV Nós de Joinville, canal internacional especializado em campismo desde 2008. No jornalismo impresso, é colaborador da revista MotorHome e do jornal JNB, onde escreve a coluna Veículos. james.klausmiers@gmail.com www.nosdejoinville.com.br

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