Deu vontade de sentar e chorar que nem criança, ali mesmo na sarjeta, novamente. Nessas horas, por mais maduro que seja o que se quer, realmente, é um colinho. E eu já vinha num agravante progressivo: escritório, janela quebrada – já substituída e os danos na estrutura externa do carro por conta dos arranhões. E sabendo que teria que sentar com o proprietário para discutir a entrega do veículo e, certamente, isto me custaria mais algum dinheiro que eu não tinha previsto gastar. Somando, agora, esse novo sinistro. Isto tudo me deixou muito apreensivo e inseguro em prosseguir com a viagem. Uma situação delicadíssima! Bem, não sabendo o que fazer claramente, subimos no motor-home e seguimos em direção a Praça Espanha, aonde ocorreria o espetáculo de luz e água. Íamos conversando durante o caminho sobre o ocorrido. Cansados e com a falta de sensibilidade para aquele momento crítico… Puf! Eclodiu a encrenca. O mau-humor tomou conta, brigamos, estacionei o carro e pedi para ficar sozinho. Seria melhor assim, pois já estávamos nos chamando por nomes de santos e outras “cousas” mais…hehehe Sabem que quando a coisa fica assim o melhor é apartar o povo. Assistimos aquela maravilha toda de espetáculo, separados sem podermos compartilhar mutuamente. Ai, ai… Dá nada… Estávamos apenas no terceiro dia de viagem… Vai que dá!
Reunidos novamente dentro do motor-home fomos localizar outro estacionamento, com o auxílio primoroso do GPS. Que mão na roda! Naquela situação e perdido sem saber para onde ir, seria uma tragédia dantesca… Esse novo estacionamento tinha banheiros e local para a “sessão descarrego”. Beleza pura! Já estava na hora desta missa novamente. Ao conversar com o atendente, tivemos uma dificuldade que nunca havia enfrentado antes. Simplesmente, não conseguia me fazer entender. Tentava o espanhol e nada. Tentava o inglês, piorava a situação. Sei lá se era o meu cansaço ou minha situação psicológica daquele momento. A coisa estava difícil. Até que consegui, após um resgate de uma vida passada talvez, um espanhol digno de se ouvir. Fiz-me, finalmente, entender. Consegui até acesso à internet, mesmo já sendo tarde. Que tal?! Fui tomar um banho num local mais espaçoso e sem consumir a água do motor-home. Queria “lavar a alma”. O legal do banho é que a cada cinco segundos tinha que apertar o botão para sair mais água… hehehehe Olha, não é fácil. A alma foi lavada a conta gotas. O jeito é aprender a rir de si mesmo, nessas horas… hehehe É a grande sacada para qualquer momento medonho, realmente! Voltei ao carro, comi ligeiramente alguma coisa e berço. Estaríamos de partida à França na manhã seguinte.
Antes de partirmos decidi entrar em contato com o proprietário da locadora do motor-home e comentar com ele, o novo fato ocorrido. Prontamente ele se mostrou solícito e, severamente, prático. Eu estava necessitando deste tipo de chacoalhão. E vale a pena transpor a conversa para ver que as pessoas por lá são severas às vezes, mas também sensíveis. Não tentam tirar vantagem numa hora crítica. Apenas são justos. Claro que existem exceções. Ele me disse:
_ Sr. Ramos estás correndo algum risco com a janela que arrombaram. Ela está totalmente rompida como a outra?
_ Respondi: _ Não. Somente foi quebrado um canto. O pedaço arrancado, quebrado, o encontrei e está comigo. É possível ser colado, creio eu.
_ Sr. Ramos gostaria que eu tratasse novamente com a mesma empresa ou outra, para a substituição desta janela, em questão?
_ Respondi: _ Não sei. Sinceramente, não sei. Estou receoso por tudo isto que ocorreu e preocupado com a integridade da minha família e do próprio veículo também.
Passou-se dois segundos que parecia uma hora completa. Certamente, ele uma pessoa já acostumada com esses ocasionais sinistros por que passam seus veículos locados, percebeu minha insegurança com relação a um problema corriqueiro e que, para ele, facílimo de resolver em sua fábrica. E me respondeu:
_ Sr. Ramos façamos o seguinte, então. Não se preocupe mais com esses ocorridos. É uma coisa simples para eu resolver aqui. São coisas que acontecessem e não deve mais pensar nisto. Conversaremos sem qualquer agravo quando voltar. Não se preocupe. Apenas siga com seu passeio e aproveite ao máximo, com sua família. Siga em frente!
Poxa, essas palavras foram um banho de confiança, para renovar os ânimos. Agradeci a atenção e me despedi sem mais delongas. Realmente, repassei o olhar pelo carro novamente e o vi diferente desta vez. Não eram problemas difíceis de resolver. Retomei a objetividade e praticidade novamente, como alicerce. Fiz a cerimônia da “sessão descarrego”. Estando espiritualmente também, já descarregado. As pazes feitas com a família. Tomamos um bom café. Seguimos viagem… Levando somente as maravilhosas lembranças desta cidade. Teve o gostinho de quero mais…
Estávamos fora do cronograma. Ficamos mais tempo em Barcelona do que o planejado. Teríamos que acelerar. Sabíamos que as estradas não pedagiadas eram mais lentas, mas por outro lado, muito mais interessantes. Depois de 200 Km rodados, passando por belas paisagens, rios, trens de alta velocidade, boa estrada e muitas plantações de uvas, chegamos a Perpignan. Estávamos novamente na França. Nosso francês é nulo. E de pronto, tínhamos que ir a um supermercado repor a despensa. Logo ao passar por uma rótula, na entrada da cidade, avistamos um. Estacionamos e fomos à guerra da comunicação. Gestos para lá, gesticulações para cá e alguns balbucios, conseguimos encontrar e pegar o que queríamos. Coisas básicas: muito queijo, vinho e cerveja nacionais. Fazer o que, né?! Tínhamos que dar uma força para o povo local. Uma coisa que nos chamou a atenção foi a disposição física dos produtos dentro do estabelecimento. A parte central, uma grande área, somente destinado a frutas e verduras, pareciam estar numa foto para divulgação. Todas elas regadas a spray de água, borrifados quase que constantemente. E as “porcarias” dos empacotados e enlatados todos ficavam em gôndolas à volta, sem muita distinção. Que coisa! É outro nível. Valorizam muito a alimentação saudável. Coisas para se imitar mais consistentemente.
Fomos ao caixa. Mesmo tratamento dado, quanto ao carrinho e as sacolas plásticas, do super anterior. Não preciso repetir…hehehe O sofrimento continuou. Aprendemos que as cestinhas eles liberavam. Só restava a fase de transporte até o carro. Ah! Para isto, já estávamos munidos de nossas próprias sacolas plásticas para algum imprevisto. Desta vez, o pior foi falar com a caixa para pagar com o cartão de crédito… Jesus! Nada de português, nada de espanhol, nada de inglês… Bem, a moça percebeu que ou ela se esforçava um pouquinho mais para nos entender, ou ela não receberia o pagamento. Apesar de eles serem meio rudes nessas horas, também estávamos práticos para enfrentar este tipo de ocorrência. Sempre nos mantivemos muito educados, sem exceção, afinal, além de nós mesmos, estávamos representando um país – o Brasil. Mas, endurecíamos quando se percebia que era capricho de europeu. Claro, que nos entendiam quando falávamos o português, espanhol ou inglês, mas eles queriam o francês. Imaginem a quantidade de pessoas que encontramos viajando de motor-home para cima e para baixo, muitos do leste europeu. Idiomas muito mais difíceis de interagir. Logicamente, enfrentavam algo parecido, mas continuavam seguindo… Nós, também! Claro que, quanto maior a cidade desses países e estando mais próxima à capital, mais fácil a comunicação em outro idioma, que não o próprio. Ás vezes parecia que estávamos na Torre de Babel, mesmo assim, nos comunicando. Feito! Resolvido esse pequeníssimo problema.
Voltamos ao estacionamento e verificamos que ficou repleto de motor-home, ali parados. Uéi?! Era meio-dia e todos estacionaram para descansar e fazer o seu almoço ali mesmo. Mas que tal?! Se eles podiam, nós também. E sem pagar um mico…hehehe. Somente reposicionei o carro, para ficar numa posição mais agradável. Quando parei o carro, após esta manobra, olhei em frente e vi uma loja de reparos e acessórios para motor-home. Não resisti e fui até lá, após o almoço. Ao me dirigir a pé em direção à loja descobri outra peculiaridade dos europeus, por aqui também ocorre, pelo menos na cidade onde moro, botei o pé na calçada para atravessar a rua, mesmo sendo numa rótula, todos os carros pararam de repente. Senti-me um rei, dono da situação. Claro, que tinham os apressadinhos, nem tudo foi cem por cento. Mas, chamou a atenção mesmo eu tendo esse costume por aqui. Ao chegar à loja, que mudança de tratamento. Fácil, fácil, a comunicação. Com certo esforço entendiam até mesmo o português. Claro, as línguas dos países por que passamos bebem da mesma fonte: o Latim. Se era fácil para nós entendermos eles, até certo ponto, também teria que ser para eles. Fiz a cotação da janela e era mais ou menos o mesmo valor que havia pago pela outra, em Barcelona. Perguntei sobre a possibilidade de se colar. Aí, o francês deu uma de malandro para cima de mim, para minha surpresa e decepção. Quis dar uma de vendedor esperto. Disse que não seria possível e que poderia prejudicar o próprio nicho da janela. Pedi licença e me retirei. Definitivamente, me decidi em encontrar uma cola e reposicionar o pedaço que foi quebrado, na janela. Pegamos a estrada novamente.
Deusdeth Waltrick Ramos