Segundo o relato do Livro de Gênesis, tanto o homem como a mulher estavam nus e não se envergonhavam.(Gên 2, 25). Mas, logo a seguir, não resistiram à tentação e pecaram. Abriram-se então os olhos de ambos e reconheceram que estavam nus; coseram folhas de figueira e fizeram cinturões para si. (Gên 3,7). A iconografia ocidental encarregou-se de ilustrar o contraste entre antes e depois da queda. Antes, Adão e Eva, no esplendor da beleza, viviam nus no paraíso. Depois, constrangidos, procuram ocultar os órgãos genitais. Na interpretação da exegese, oficializada pela Igreja, isso ocorreu devido ao despertar da concupiscência, primeira manifestação da desordem que o pecado introduziu na harmonia da criação.
Do século II até o final do IV, os Romanos, sem excluir os Cristãos, banhavam-se comunalmente nus em banhos públicos, onde homens e mulheres banhavam-se juntos. Na Grécia era comum a prática de esportes ocorrer sem nenhuma peça de vestimenta. O sentido de pudor que hoje vemos disseminado em nossas sociedades modernas, foi um legado que as religiões da idade média nos deixaram.
Naturismo no Mundo
O Naturismo moderno surgiu no início do século 20, na Alemanha e França. Na França (especificamente na Ilha do Levante) foi criada pelos irmãos Duvalier uma “Clínica Helioterapêutica” onde se pregava que a nudez ao ar livre com alimentação natural (sem nenhum produto animal, drogas, cigarros e bebidas) e contato com outras pessoas ajudava na cura de todos os males físicos. Na Alemanha, que é tida como verdadeiramente a iniciadora do naturismo, um professor de educação física propôs aos seus alunos que estes deveriam fazer os exercícios ao ar livre e sem roupas. Depois de algum tempo, os jovens deste professor passaram a serem mais corados, ter mais saúde e alegria, as famílias dos mesmos vendo as mudanças inclusive comportamentais dos mesmos resolveram aderir aos exercícios e criaram em 1903, através de Paul Zimmermann, o que a princípio foi chamado de Nudismo. (a alteração de nome só foi feita na década de 50). No ano de 1906, surge nesse mesmo país o primeiro campo oficial para a prática do naturismo e a publicação do primeiro livro [“Die Nacktheit” (A Nudez)] sobre esta filosofia de vida cujo autor era o professor Ungewitter. Nessa época, além dos exercícios ao ar livre em completa nudez, havia tambem uma grande preocupação com a alimentação, que deveria ser saudável, geralmente baseada no vegetarianismo.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Naturismo começou a se difundir, não só na Europa, mas também nos Estados Unidos.
Em 1952 ocorreu um Congresso Mundial que foi realizado na Suíça em Thielle junto ao lago Neuchatel.
Ali se reuniram cerca de 300 naturistas de 14 nacionalidades: 200 da Suíça, 37 da Alemanha, 13 da França, 12 da Inglaterra, 8 da Holanda, 6 de Itália, 3 dos Estados Unidos, 3 da Áustria, 3 da Bélgica, 2 do Território do Sarre (hoje integrante da França), 2 da Nova Zelândia, um do Brasil, um da Espanha e um da Índia. Foram neste congresso, através da preciosa contribução de Albert Lecocq (FFN), Erhard Wachtler (DFK) e Eduard Fankhouser (ONS) entre outros, lançadas as bases da futura Federação Internacional de Naturismo, que viria a nascer no ano seguinte em Montalivet na França.
Em 1974 a Federação Internacional de Naturismo (INF-FNI) criou a definição de Naturismo adotada por todas as entidades naturistas do mundo:
Um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, que tem por intenção favorecer o auto-respeito, o respeito pelo outro e o cuidado com o meio ambiente.
Talvez surja ao leitor a seguinte questão: “Qual a relação entre nudez coletiva e desenvolvimento do indivíduo?”. A resposta dos naturistas está no conceito de body-acceptance (literalmente “aceitação do corpo”) , ou seja, na descoberta não apenas intelectual, mas prática (e portanto completa) de que o ser humano é um todo, e não seres seccionados em partes honrosas e partes indecorosas. Ao conviver com a nudez do próximo percebe-se que o corpo não choca, não agride, que o respeito é possível mesmo sem artifícios. Entrar em contato com a própria essência, deixando para trás o que é acessório. Abandonamos a roupa e percebemos que somos todos iguais, apesar das diferenças. Saem também os antigos conceitos, dando lugar a uma nova forma de ver e sentir a realidade ao redor. Perceber que somos parte de algo maior.
Naturismo no Brasil
No Brasil, a idéia de viver sem roupa é bem mais antiga do que imagina. Os indígenas, por exemplo, já andavam nus. Isso até 1500, quando chegaram os Portugueses. O Naturismo brasileiro deveria ser dividido em cinco eras, a saber:
Primeiro Ato – Antecedentes
Hábitos semelhantes ao conceito de Naturismo atual já eram praticados pelos índios antes da chegada dos europeus. Na época do Descobrimento do Brasil (21 de Abril de 1500) os índios nativos andavam nus como haviam feito por séculos. A cultura nativa era de respeito à natureza através do respeito às árvores, aos animais, aos rios e à terra. Eles sabiam que, respeitando estas coisas, as gerações futuras poderiam usufruir da mesma qualidade de vida que tinham. Eles tinham e obtinham o respeito dos outros olhando para o interior das pessoas, o corpo não era importante, mas o espírito era.
Quando o grupo de Pedro Álvares Cabral chegou a costa Brasileira o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei de Portugal:
– “…Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas…”
– “…A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma.
Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência…”
– “…Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam…”
Como podemos ver, os nativos estavam nus e não se envergonhavam disto. Eles eram vigorosos, bonitos, inocentes e, pela lenda popular, não entenderam as razões pela quais os portugueses usavam roupas que cheiravam tão mal debaixo daquele sol. Esta é a origem do Naturismo no Brasil.
Segundo Ato – Negação
A segunda era do naturismo no Brasil vai de 1500 até 1945 quando o governo (influenciado pela Igreja) tentou acabar com a cultura indígena, vestindo os índios e tornando-os “civilizados” (ignorando que eles tinham cultura, língua e estilo de vida).
Desta era se destacam histórias como a do alemão Hans Staden em 1550 e seus contatos com os Tupinambás em Santa Catarina e levado para Ubatuba, onde, depois de algum tempo, acaba se tornando um deles.
Mas a cultura nativa não foi totalmente aniquilada. E, informalmente, os brasileiros costumam nadar nus nos rios, lagos e praias desertas. Dentro de suas casas, as famílias geralmente não usavam roupas. Mas tudo isto não era identificado como Naturismo; era simplesmente natural.
Terceiro Ato – Luz del Fuego – Implementação
Com o final da segunda guerra mundial, uma onda de liberdade cobriu todo o mundo. O espírito da democracia no Brasil fez com que surgissem vários novos partidos políticos, e Dora Vivacqua, chamada de Luz del Fuego, uma atriz, criou o “Partido Naturista Brasileiro” em 7 de Setembro de 1949.
Em 20 de Novembro de 1954 (apenas um ano depois que a INF foi organizada), Luz del Fuego criou no Rio de Janeiro o “Clube Naturista Brasileiro”.
Os registros oficiais do Partido Naturista e do Clube Naturista podem ser encontrados em: “Registro Civil de Pessoas Jurídicas”, nos livros A3 e A1. Estes registros equivaliam a algo como o atual CNPJ.
A revista “Freies Leban”, no seu número 127, de janeiro de 1966, possui um artigo sobre o Clube Naturista Brasileiro e Luz del Fuego. O correspondente foi Paulo Pereira Silva, um jovem Naturista do Rio de Janeiro.
A INF reconheceu oficialmente o grupo Naturista brasileiro em 1965, quando publicou no seu Guia Anual uma nota sobre a “Fraternidade Naturista Internacional do Brasil” (FNIB), primeiro nome da Federação Brasileira de Naturismo.
Os estatutos do Partido e do Clube davam a Luz del Fuego o título de Presidente Perpétuo de ambos. Ela fez desta forma para manter o controle ético de ambos.
Os princípios básicos do Partido e do Clube eram: “estimular a prática do Naturismo, sob rígidos princípios morais e de higiene”.
Quarto Ato – Repressão e Pausa
Em 1964 uma golpe ocorreu no Brasil e os militares tomaram o poder à força. Todos os partidos políticos foram considerados ilegais e as reuniões públicas eram controladas pelo governo. Foi criado um governo de extrema direita no Brasil com total proibição de direitos políticos.
O Clube Naturista Brasileiro continuou a existir, mas ninguém tinha coragem de ir lá, por medo de ser considerado contrário ao regime.
Em 1967, nossa idealizadora Luz del Fuego morreu, assassinada em condições até hoje não esclarecidas.
A FNIB continuou a existir com dois grupos atuantes no Rio de Janeiro e Brasília e outros dois menores em Porto Alegre e Ubatuba. Destaca-se também a participação de Recife e Curitiba.
Os Diretores da FNIB na época foram Daniel de Brito, Paulo Pereira, Osmar Paranhos, Heit e Hans Frillman (da Alemanha).
Eles interromperam as reuniões públicas oficiais, mas mantiveram uma caixa postal para responder quaisquer dúvidas sobre Naturismo por carta. Eles também mandavam notas para a “Sun & Health” e “Freires Leban”, mas foram descontinuadas por causa do controle político sobre as comunicações.
Em 1972 a Associação Naturista Brasileira (ANB) – Novo nome dado à FNIB -, esteve oficialmente representada em Koversada, Iugoslávia no Congresso Internacional da INF.
Nos meados da década de 70, grupos clandestinos tomavam banhos e se reuniam em Abricó (Rio de Janeiro-RJ), Olho de Boi (Búzios-RJ) e praia de Ubatuba (Ubatuba-SP), mas sempre sem fazer alarme disto, para não chamar atenção.
Quinto Ato – Afirmação e Desenvolvimento
No início da década de 80 o ditadura dava sinais de que estava se dissolvendo e a democracia começou a tomar forças novamente. Um grupo em Santa Catarina, na cidade de Camboriú, começou a tomar banho sem roupas numa praia deserta e estranha chamada “Praia do Pinho”.
Em 1984, a Revista Manchete, a maior revista semanal do Brasil à época, apresentou uma reportagem da então desconhecida Praia do Pinho. A revista fez da notícia sua matéria de capa e toda edição foi vendida rapidamente. Celso Rossi, motivado pela matéria, tomou contato com o local e, em 1986, criou a “Associação Naturista da Praia do Pinho” (atual AAPP) e, junto com Hans Frillman, a Federação Brasileira de Naturismo” (FBrN) em 1988.
O grupo do Rio de Janeiro também veio à tona, e a Rio-Nat e outros grupos saíram da clandestinidade.
Vários Naturistas começaram a receber outros Naturistas em seus sítios e casas para fazer reuniões naturistas. A política do Brasil estava na direção da liberdade e uma nova constituição havia sido promulgada.
Celso Rossi começou um grande trabalho pelo crescimento do Naturismo no Brasil, criando várias associações e áreas Naturistas, culminando com a primeira vila Naturista da América Latina. Trata-se da Colina do Sol, que conta com casas, restaurante, mercado, academia, camping, hotel e outros.
A Praia de Tambaba foi oficializada rapidamente por lei municipal assinada pelo prefeito do Conde Aluísio Régis que também é Naturista. A Praia do Abricó no Rio de Janeiro tentou fazer o mesmo e, em 1994 o prefeito do Rio de Janeiro – César Maia, por recomendação do Secretário Municipal de Meio Ambiente – Alfredo Sirkis, fez este decreto.
Um advogado começou uma batalha jurídica contra o Naturismo no Abricó. Isto levou Pedro Ribeiro e Sergio Oliveira (presidente e vice da associação que controlava o Naturismo no Abricó) a começaram uma campanha para que fosse criada uma Lei Federal sobre o Naturismo. Eles escreveram um projeto de lei e pediram ao Fernando Gabeira, que era Deputado Federal (do Partido Verde) que o encaminhasse na Câmara dos Deputados, em Brasília. Este projeto foi chamado de Lei do Naturismo no Brasil e surgiu sob o número 1411, de 1995 (atualmente o número do projeto é PLC 13-2000).
Este projeto criaria as normas para o Naturismo no Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou este projeto e enviou ao Senado. O projeto encontrasse em trâmite nesta casa.
A batalha jurídica do Abricó terminou em 30 de setembro de 2003 e a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro aprovou uma lei liberando a praia do Abricó aos Naturistas. Por jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a decisão sobre o Abricó é válida para qualquer outra praia brasileira.
A FBrN conta atualmente com cerca de 500 mil Naturistas no Brasil, 29 grupos regionais, 10 praias oficiais, 3 vilas, 2 hotéis e alguns clubes. O investimento para criar um Resort Naturista no Brasil é bem baixo comparando com os custos em outros países.
Em Setembro de 2006, no 30º Congresso Internacional de Naturismo que ocorreu em Cartagena na Espanha, o Brasil conseguiu uma grande vitória que foi trazer o 31º Congresso para a praia de Tambaba na Paraíba. Este será o primeiro congresso da INF-FNI realizado em todo o Hemisfério Sul e o primeiro realizado em toda a América Latina. Esperamos que para este evento já possamos contar com a Lei do Naturismo aprovada no Congresso Nacional e que com isto possamos atrair investidores para construírem opções Naturistas no Brasil além de incrementar o fluxo de turistas.
Fonte: FBRN.org.br