Após sete anos de um complicado processo desde a declaração de falência da Karmann-Ghia em São Bernardo do Campo, SP, em 23 de novembro de 2016, finalmente chegou ao fim a saga envolvendo o pagamento de salários atrasados e verbas rescisórias para os cerca de seiscentos trabalhadores da época. Os pagamentos, iniciados em 2022, foram concluídos no último mês de dezembro. Esta é, talvez a última etapa da existência de uma das maiores fábricas de trailers e motor homes do Brasil.
A Karmann Ghia, que teve sua fundação em 1960 na Via Anchieta, ficou conhecida por produzir modelos emblemáticos de carros como SP1, SP2 e o Karmann-Ghia coupé, veículos que durante décadas foram símbolos de status para os brasileiros. Durante as décadas de 1970 a 1990 importou e, depois, produziu trailers e motor-homes em regime seriado. Nos últimos anos de operação, a Karmann-Ghia focava em serviços de estamparia e ferramentaria para sistemistas e montadoras. Chegou a montar carros. O mais icônico foi o modelo conversível do Escort (Autolatina/Ford) e, nos últimos anos, a Land Rover Defender.
O desfecho da negociação, que parecia não ter fim, passou por três suspensões da falência, acampamentos prolongados dos operários em frente à fábrica na tentativa de preservar os ativos da massa falida – o que, infelizmente, não impediu a retirada de maquinários para serem utilizados no pagamento – e pela esperança de transformar o local em uma cooperativa, onde os próprios trabalhadores gerenciariam a produção. Até os últimos anos, até mesmo certificados de autenticidade das Karmann-Mobil Safari foram expedidos, já que na transformação, havia uma transferência de local do número do chassi.
Foi o interesse da Wheaton, vizinha da Karmann-Ghia e fabricante de frascos de vidro, que trouxe uma reviravolta à situação. Em 2018, a Wheaton expressou o desejo de alugar um dos pavilhões da área de 5 mil m², com planos iniciais de compra adiados para 2020 devido a disputas judiciais envolvendo a Karmann-Ghia. Contudo, no auge da pandemia, a Wheaton anunciou a aquisição do parque industrial em leilão, com um valor aproximado de R$ 58 milhões, embora a empresa não tenha confirmado oficialmente o montante. Segundo a Wheaton, a decisão faz parte de seu plano de expansão, mas o uso do espaço ainda está em fase de planejamento, inicialmente destinado ao armazenamento de produtos.
Carlos Caramelo, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que acompanhou de perto a luta dos operários, destacou que a Karmann-Ghia foi vítima de golpes consecutivos, dificultando uma solução rápida para a empresa e seus funcionários. “Quando pensávamos que alguém assumiria a empresa e os trabalhadores poderiam voltar ao trabalho ou, pelo menos, receber seus direitos, surgia mais um revés. A Karmann foi alvo de muita bandidagem”, afirmou Caramelo. Após meses de acampamento dos trabalhadores na fábrica na tentativa de preservar os ativos, maquinários foram retirados por clientes e credores, evidenciando a complexidade do processo. O sindicalista também ressaltou que, devido à falta de definição nos pagamentos, empresas começaram a retirar seu ferramental, por decisão judicial, agravando ainda mais a situação.
Os pagamentos de salários atrasados e verbas rescisórias começaram a ser efetuados em 2022, após uma vitória definitiva na Justiça. No entanto, apenas uma parcela dos trabalhadores, que fazia parte da ação coletiva do sindicato, foi contemplada inicialmente. Outros funcionários, que moveram processos individuais, foram recebendo gradualmente. Um ex-funcionário, que preferiu não ser identificado, relatou à Agência AutoData que todos os profissionais receberam valores referentes a salários atrasados e verbas rescisórias, embora não seja possível afirmar que os depósitos correspondiam exatamente ao que tinham direito. “Muitos operários com quarenta anos de empresa acabaram conseguindo o mesmo que um com dez anos. O dinheiro que entrou foi gerado pela venda do terreno para a Wheaton e também pela retomada de ativos que o administrador judicial conseguiu reverter para o trabalhador. Mesmo assim, consideramos uma vitória encerrar de forma satisfatória a situação da falência da Karmann-Ghia”, destacou o ex-funcionário.
As dificuldades financeiras da Karmann-Ghia tiveram início com a crise econômica de 2008, seguida pela queda na demanda pelos serviços devido à suspensão das linhas de produção dos Volkswagen Kombi e Gol G4. Em 2015, a empresa operava com apenas 40% do faturamento. Passando por diversos gestores, incluindo um membro da família real, dom Eudes Maria Regnier Pedro José de Orleans e Bragança, trineto do imperador dom Pedro II, de 2010 a 2014, a empresa foi vendida a Maristela Nardini em 2014. No entanto, a nova proprietária pagou apenas uma das 52 parcelas do valor acordado, de R$ 17,8 milhões. Após idas e vindas na titularidade, em novembro de 2016, a falência foi decretada. Na época, o passivo ultrapassava R$ 300 milhões, com dívidas trabalhistas, bancárias, e tributárias somando R$ 198 milhões.
O MaCamp, resguarda a história da Karmann Ghia, principalmente pelo seu legado à indústria caravanista nacional, que rendeu até hoje grande notoriedade no ramo.