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Segue relato do campista Renato Luiz Wenzel de 2013 como um desabafo bem rico em análise sobre o campismo. Este texto está apenas referenciado e não representa a opinião do MaCamp.

Mais um ano começa e com ele o desejo de um ano melhor, mais feliz para nós, nossos familiares, amigos, enfim, para todos.

No último Encontro do RODAMUNDO (Associação dos Proprietários de Veículos de Recreação de Santa Catarina), realizado no sul do Estado, tive a oportunidade de compartilhar com meus “colegas de estrada” algumas reflexões, a partir de uma pergunta que me fiz: O que estou fazendo para deixar o campismo no Brasil melhor do que encontrei quando comecei a integrar esse movimento, essa forma de levar a vida?

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Dá-me a impressão que, se fizermos uma síntese do que ouvimos e conversamos sobre as condições de praticar o campismo no Brasil, o saldo é negativo: predominam as perdas e não os ganhos. A toda hora nos chegam notícias de fechamento de camping, de lugares onde passávamos uma noite ou alguns dias, como postos de combustível, estacionamentos ou até mesmo áreas privadas que nos eram cedidas serem proibidas pelos responsáveis. Às vezes até dizem o porque, mas em outras as razões ficam veladas, deixando claro que “alguém” que por ali passou antes de nós “queimou nosso filme” por comportamentos inadequados e inaceitáveis.

Frente a tal situação, acredito que não basta reclamar, pois não existe um único responsável. Na verdade, estamos colhendo o que ajudamos a plantar. Lembro-me muito bem do tempo em que acampava de barraca quando via um trailler (motor-homes praticamente não existiam) brotava aquele desejo de um dia chegar lá. O trailler era símbolo de um acampar mais confortável, mas ainda bastante limitado no que se refere a autonomia de água, de tanques para resíduos etc, sendo portanto necessário ainda ficar em camping. Aí começaram a aparecer os motor-homes. O que mais se ouvia é que o motor-home era “the best”. Ele significava um “adeus” aos campings, pois ele tem autonomia, é mais seguro etc, etc. E assim foi, nós proprietários de motor-homes fugíamos de camping, nos vangloriávamos de “poupar diárias”. Hoje, queremos continuar “fugindo” porque achamos um absurdo as tarifas cobradas. Por outro lado, estamos sendo pressionados pela insegurança no Brasil, que não oferece muitas alternativas de pernoite ou de acampamento seguro, luz e água e, ainda, bem perto dos lugares que queremos visitar.

No encontro de julho/2012 no Camping Mundaí, numa reunião provocada com a direção para resolver algumas “pendengas”, uma colega disse, ao se referir a comportamentos de colegas, que existe uma grande diferença em “estar campista” e “ser campista”. Ela tem razão. Não são os “equipamentos” de campismo que garantem o comportamento campista, assim como não são as “togas” que garantem a ética e a honestidade. Ser campista é necessariamente ser praticante de um modo de ver e viver a vida, onde valores como liberdade, simplicidade, companheirismo, solidariedade, generosidade, disponibilidade para ajudar e ser do bem devem ser as marcas. Em contrapartida, a arrogância, o egoísmo, a falta de ética, o se achar mais do que os outros, o menosprezo às pessoas de menos recursos ou com equipamentos e hábitos mais modestos, valorização sempre por baixo do trabalho daqueles que nos atendem na estrada ou em encontros ou que nos prestam serviços em geral, são características que absolutamente não combinam com “campismo” e acabam prejudicando um movimento que podia ser atrativo para nossos filhos e netos, porque são exemplos do que não se deve ser.

Não consigo identificar a origem de certa “cultura” que se instalou no nosso meio, especialmente dos motor-homes, que devemos ter “as coisas”  que necessitamos quase que de graça, se possível sem pagar nada mesmo. Não acredito que seja pelas condições financeiras, que naturalmente são bem variadas. Muitos reclamam das contribuições para participar de encontros, acham absurdamente caro algum serviço que é feito no motor-home, seja de mecânica, elétrica etc. Tem um eletricista em Florianópolis que deixou de trabalhar para proprietários de motor-home. Segundo ele, alguns “comem sardinha e querem arrotar caviar”. Sabemos que problemas elétricos ou eletrônicos nem sempre são de fácil diagnóstico. O profissional leva, muitas vezes, horas para localizar o defeito simples de resolver – um terminal oxidado, um cabo interrompido dentro de um chicote, um terra mal fixado, por exemplo. O preço é calculado não pelo conserto em si, mas pelo tempo que o profissional dedicou ao problema. Aí vem a reclamação: “Mas como? Tudo isso?”. Passamos, com esse comportamento, uma impressão negativa, como se todos nos devem favores e que, portanto, não são merecedores de um pagamento justo.

Essa cultura de sermos merecedores de benesses e não coadjuvantes e participantes de um processo de construção de um campismo mais autêntico, melhor estruturado, com mais força para “lutar” em instâncias públicas e privadas, me parece estar na base de todos os nossos problemas. E, nesse caso, a omissão ou a atitude de só reclamar e nada fazer para mudar em nada contribuem, a não ser para piorar ainda mais.

Como mudar isso? Longe de mim a pretensão de uma receita ou menos ainda de passar um sermão, até porque todos estamos aptos a cometer deslizes e comigo não é diferente. Meu propósito é tão somente não ficar omisso e contribuir na medida das minhas possibilidades. Vejo duas frentes que podem direcionar nossas ações: a primeira, aparentemente mais simples, de custo zero, mas ao mesmo tempo a mais difícil, é mudarmos naquilo que nos cabe. Ao invés de esperar que alguém faça por nós, façamos nós mesmos. As oportunidades mais a nossa mão nesse quesito, me parece, são os encontros. Hoje eles são tão somente de lazer: conversar, comer, beber, dançar e torcer para ganhar um brinde que os organizadores, parece, têm a obrigação de conseguir. Até no que se refere a “encontros” é possível melhorar. Eu sonho com o término dos fura-fila; eu sonho com uma forma menos avassaladora de iniciar as refeições, como se estivéssemos passando fome há dias; eu sonho com atitudes de gentileza e generosidade com os parceiros em termos de dividir os espaços nos locais dos encontros, de compartilhar torneiras e tomadas, sem demarcar “territórios” privados num espaço que não é nosso; eu sonho com uma atitude mais consciente de participação, ajudando os organizadores ao invés de cobrar deles como se estivéssemos “pagaaaannnndo” tudo que recebemos; eu sonho com mais ética e relação de confiança mútua nos encontros, sem a velha e detestável prática de enganar, por exemplo, quanto ao número de ocupantes de cada motor-home para pagar menos taxas de participação; eu sonho com o término da prática de reserva de lugares privilegiados, ocupando mesas e cadeiras horas antes do início dos eventos para desfrutar sempre da melhor visão ou localização; eu sonho com encontros que sejam efetivamente de confraternização, sem hierarquizar nada e ninguém, sem competição e vaidades pessoais; eu sonho com encontros onde além da confraternização, nos dediquemos a refletir e tomar decisões a favor de causas do interesse maior do campismo no Brasil; e, assim, tantos outros sonhos que podem ser realizados apenas com mudança de posturas, de atitudes e de comportamentos. Por isso, como disse, são mais difíceis. É muito fácil pedirmos mudanças nos outros, mas em nós mesmos, ah…

Uma outra frente que vejo possível trabalhar diz respeito ao papel das nossas associações. Não me refiro tão somente às diretorias dessas associações. As diretorias são, na verdade, reflexo dos associados, afinal são eleitas por eles. Conheço um pouco melhor o Grupo RODAMUNDO, pois sou um de seus fundadores. Certamente na época não se imaginava a dimensão que isso teria, especialmente no que se refere ao número de associados, portanto de proprietários de veículos de recreação. O que importa aqui é constatar em que se transformaram esses grupos, que hoje estão espalhados em todo o Brasil. Em maior ou menor grau, o que se observa é que esses grupos (com honrosas exceções) se movimentam hoje em torno da confraternização, mais especialmente em organizar os encontros, praticamente mensais. Pouca coisa tem sido feita, além disso, voltando as associações para outras questões mais amplas, visando um futuro melhor para o campismo. Mais ou menos assim estão também os fabricantes de motor-homes, preocupados em fabricar os veículos e só isso, com raras exceções.

Já em relação à sociedade em geral, a nossa imagem é de privilegiados. Ter um motor-home é sinal de certo “status” e, convenhamos, não é bem assim. Sabemos o sacrifício que a maioria de nós faz para manter essa prática do campismo apenas por se identificar com esse estilo de vida. Tenho visto pessoas acharem absolutamente normal uma família ter uma casa ou apartamento de praia sem caracterizar com a mesma dimensão como de posses elevadas. Já com o motor-home é diferente, embora, muitas vezes, uma casa ou um apartamento na praia sejam mais caros que muitos dos veículos existentes.

Essa imagem que muitos têm sobre nós também é sentida em alguns setores do poder público. Confundem-nos com ônibus de turismo e querem nos taxar para circular nos respectivos perímetros urbanos como se nossa atividade fosse lucrativa. Observamos isso em Balneário Camboriú e Itapema, para citar exemplos conhecidos. Comportamento esse bem diferente de alguns países europeus onde as comunidades (prefeituras) disponibilizam espaços superorganizados (não campings) para o pessoal passar a noite, com acesso à água e luz, mediante moedas que são introduzidas em máquinas organizadas para tal. Qual a diferença? Lá se procura atrair esse segmento, aqui nos afugentam, como se não fôssemos desejados.

A reflexão que cabe nesse momento é: por que isso está assim no Brasil? Certamente isso não é natural ou normal que assim seja. Essa situação está sendo construída ao longo de muito tempo, sendo que todos nós fazemos parte, de alguma forma, disso, seja pelas nossas ações e/ou omissões. Portanto, cabe um “mea culpa”, sim.

Penso que devemos superar a prática de apontar “culpados” e adotarmos uma postura propositiva e participativa. Podemos, por exemplo, introduzir esta temática em nossas conversas em encontros e fora deles; podemos falar com pessoas das nossas relações que têm alguma coisa a ver com este assunto; podemos ajudar a pensar novas práticas e ações das nossas associações, voltando-as para uma participação mais atuante no conjunto de esferas públicas e privadas, estabelecendo canais de conversação, de debates e formulação de projetos. Para tanto, também nossa contribuição para as associações deve ser repensada. A participação de uma associação em fóruns do setor requer recursos para viagens, estadias etc. Não podemos pensar que a diretoria deve tirar tais recursos de seu bolso. Lembro por ocasião da primeira feira do setor realizada em Gramado, comentando com o dirigente de uma das nossas associações sobre a importância de prestigiarmos tais iniciativas, ouvi do mesmo que “isso é bobagem. Uma feira assim interessa aos empresários”. Mentalidade assim não ajuda, me parece. Temos que juntar esforços! Nós, os usuários, precisamos de quem produza nossos veículos. Eles, por sua vez, precisam de nós e todos nós precisamos de condições para praticar o campismo. Daí porque precisamos ampliar nossos parceiros para construir essas condições, seja junto às prefeituras, aos órgãos públicos responsáveis pelas políticas e financiamento do setor etc, etc.

Espero que meu propósito seja entendido pelos “companheiros de estrada” no sentido de contribuir para o debate. O assunto já vem sendo tratado por diversas iniciativas de parceiros. Quero engrossar esse processo deixando claro que está em nós mudar a situação em que se encontra o campismo no Brasil, especialmente no tocante à estrutura para armarmos nossas barracas e estacionarmos nossos trailers e motor-homes para uma convivência harmoniosa, solidária e amiga, celebrando o que temos de mais precioso, que é a vida e quanto mais integrada com a natureza for essa celebração mais saudável ela será.

Relato do campista Renato Luiz Wenzel de 2013 como um desabafo bem rico em análise sobre o campismo. Este texto está apenas referenciado e não representa a opinião do MaCamp.

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