Em Arambaré, veranistas gostam de acampar e passar o veraneio debaixo das figueiras.
Tem gente que veraneia há quase três décadas em Arambaré e nunca ficou hospedada no mesmo lugar. Não que a cidade de 3,6 mil habitantes seja tão farta em casas para alugar, hotéis e pousadas. É que, a cada ano, turistas carregando trailers e barracas resolvem acampar nessa orla banhada pela Lagoa dos Patos, distante aproximadamente 140 quilômetros de Porto Alegre.
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Há quem passe o verão todo lá. A escolha por esse tipo de hospedagem é explicada quando se sente o vento vindo da lagoa e se experimenta, a alguns passos de distância, a água calma, morna, doce e rasa — vai-se longe antes de atingir a cintura.
Em vez de disputar quartos em hotéis, vagas de estacionamento e filas até para comprar pão no Litoral Norte, alguns veranistas preferem curtir este pacato e limpo recanto do Litoral Sul. E o local onde decidem se alojar pagando uma diária de R$ 15, ainda que mude apenas alguns metros de um ano para o outro — ou até de um dia para o outro —, nunca é o mesmo.
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— Passamos 10 dias em um edifício em Capão da Canoa, e não foi a mesma coisa. Não conseguimos descansar no meio de tanta gente. Acampar é sinônimo de liberdade — diz o aposentado Ademar Chaves, 60 anos, que planeja ficar no Camping Municipal de Arambaré com a mulher, a professora Cátia Ferreira, 45, até o fim do Carnaval.
Ela prefere mar; ele, água doce; e a cada ano o casal deixa a cidade de Triunfo na alta temporada para seguir rumo a algum acampamento. Durante as férias, enchem de roupas, mantimentos e itens para lazer e conforto — têm TV, rádio, geladeira e ar-condicionado instalados — o pequeno trailer onde dormem e partem em direção ao Litoral. Antes de Arambaré, passaram 23 dias em Imbé. E não se cansam.
— A gente gosta muito de estar em contato com a natureza, de pescar. Acampar é uma possibilidade de conhecermos novos lugares e pessoas durante as férias, e acabamos sempre fazendo novas amizades — diz Cátia.
A escolha, porém, não vem sem empecilhos. Passar as férias à beira da praia em um trailer, por mais bem equipado que seja, envolve ter pouco espaço para cozinhar, guardar os pertences e descansar. A solução é passar boa parte do dia da porta para fora. O que não é necessariamente um problema: esse viver ao ar livre é considerado, por muitos de seus adeptos, parte do charme de acampar.
A infraestrutura oferecida pelos campings não vai muito além de água, luz e algumas tomadas. Não é tanto um problema para os donos de trailers e caminhões, mas aqueles que levam apenas barracas ficam à mercê de intempéries e acabam tendo que encontrar opções. Lonas e árvores servem de abrigo, e o passar do tempo revela quem deve ficar lá só alguns dias e quem realmente gosta desse estilo de vida.
— Tem um pessoal que vem com as famílias e fica na cidade ou na praia mais do que no acampamento. Mal vejo eles. Mas tem aqueles que praticamente não saem daqui — afirma o administrador do camping de Arambaré, Marco Aurélio Dias.
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Em um motorhome com cozinha e dois quartos, o organizador de eventos Diego Garcia, 26 anos, nem sente falta da comodidade de um apartamento. Ele está em seu terceiro ano seguido de acampamento, desta vez acompanhado dos pais. Diego também exalta o contato com a natureza ao explicar por que decidiu passar a temporada por lá, mas ressalta que não é para todos:
— No fim de semana, meus irmãos, primos e sobrinhos vêm de Camaquã para confraternizar aqui, e chegamos a ficar em 10 pessoas. Aí fazemos churrasco, conversamos, mas depois eles voltam para casa e nós continuamos.
Todos os dias, às 6h, Diego acorda para ver o amanhecer — hábito que prova, orgulhoso, ao mostrar fotos do sol erguendo-se do horizonte na lagoa. As imagens traduzem o cenário de paz encontrado em Arambaré, mas essa calmaria tem dias contados. A expectativa é de que não haja espaço vazio no camping durante o Carnaval.
Tomate plantado, tomate colhido
O sargento reformado da Brigada Militar Jorge Ricardo de Lima é um veterano no camping municipal de Arambaré. Desde 1989, todos os seus verões são passados lá (à exceção de um ano, quando sofreu um AVC). A filha, hoje com 18 anos, frequenta o cenário desde que estava na barriga da mãe. Neste ano, além dela, o acompanham em quatro barracas, montadas sob uma lona próximo à beira da lagoa, o cunhado, a sogra e a mulher. Todos se acostumando a ter uma “casa” nova a cada veraneio.
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Certa vez, Jorge ficou tempo suficiente para plantar e colher tomates no acampamento: foram três meses de férias. Hoje, a família prefere a tranquilidade de um camping menos movimentado, entre o Ano-Novo e o Carnaval, então acaba ficando menos tempo. Ainda assim, para eles, o melhor da experiência é justamente interagir com os vizinhos: se faltou gás no botijão, uma cadeira de praia estragou ou a bomba do chimarrão entupiu, há sempre alguém por perto para ajudar. E assim vão se criando novas amizades.
— Quem gosta de acampar e não interage com as pessoas não fica nisso muito tempo — sentencia Jorge.
Figueira é ponto turístico
Dizem que conhecer Arambaré e não visitar sua maior figueira é como ir ao Rio de Janeiro e não ver o Cristo Redentor. Guardadas as devidas proporções, logo se vê por que a cidade orgulha-se tanto de sua famosa árvore: com 20 metros de altura, copa que se estende por 50 metros e tronco com 12 metros de circunferência, a Figueira da Paz é considerada o maior e mais antigo exemplar da espécie no Estado.
Localizada no centro do município, ela é um dos principais pontos turísticos de Arambaré. Estima-se que tenha entre 400 e 700 anos, mas uma datação oficial, segundo os moradores, nunca foi feita. Seria um dos sinais do descaso com a árvore centenária.
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Diversos de seus galhos estão caindo, e são mantidos no lugar com postes improvisados. As diversas rachaduras no tronco dão sinal de que a velha figueira corre risco iminente de tombar.Mas isso não impede que a população aproveite sua companhia. De dia, crianças e adolescentes se reúnem para brincar e praticar esportes nos arredores da Figueira da Paz. À noite, quando a área fica iluminada para receber moradores e turistas, muitos se sentam nos bancos para conversar, ver o pôr do sol, tomar chimarrão.
Arambaré tem uma relação de amor com sua figueira. Há 20 anos morando na cidade – quase o mesmo tempo de sua fundação –, o membro da Associação de Pesquisas Históricas de Arambaré (Assophia) Renato Sperling, conhecido como Tio Neco, resumiu em versos essa relação:
“Todo vivente tem um sonho
O meu já descobri qual é
Sonho de voltar para as figueiras
Da velha Arambaré”.
fonte: http://123ru.net/mix/43908287/